“Eu não sou moralista, mas...” geralmente precede uma posição moralista de embaraçar um Savonarola.
“Eu não tenho nada contra, mas...” Segue um catálogo de coisas contra.
O hábito do preâmbulo imediatamente contrariado tem o seu lado bom. Significa que quem o usar pelo menos reconhece que vai destoar do que seria um pensamento normal, universal, esclarecido e correto. Que precisa se precaver e fornecer uma espécie de salvo conduto para sua opinião externa.
Às vezes o salvo conduto vem no fim, como um adendo.
- Acho que, comunista, tem que matá.
Silêncio. Troca de olhares.
- Não que eu seja um reacionário...
Suspiros de alívio, tudo esclarecido. O cara não é um reacionário. Ainda bem.
A verdade é que devemos ter muito cuidado com os preâmbulos. De preferência, fugir deles. Por exemplo:
- Posso te fazer uma pergunta?
Este é mortal. No meio de uma conversa, no meio de outras perguntas, vem o pedido de permissão para fazer uma pergunta. Que conversa será mais séria, mais difícil e potencialmente mais indiscreta ou agressiva do que as perguntas para as quais nenhuma permissão é necessária.
Evite-a.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Não!
- Mas...
- Não pode!
Mas o pior preâmbulo, o que já deflagrou mais desentendimento e discórdia e acabou com mais amizade, casamentos e carreiras do que qualquer outro, o que deveria ser banido de todos os vocabulários para que a humanidade vivesse em paz, é:
- Posso ser franco?
Não deixe! Exija falsidade, hipocrisia, mentiras ou silêncio.
Tudo menos franqueza.
Melhor ainda: corra.
(VERÍSSIMO, Luiz Fernando, Diário de Pernambuco, 03 de Fevereiro de 2002).
Luis Fernando Verissimo: erudição e vocabulário sofisticado: http://www.ufmg.br/boletim/bol1509/oitava.shtml
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