sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Preâmbulo

Quando alguém começava a frase “Eu não sou racista, mas...” você pode estar certo que o que segue será uma declaração racista que desmentirá espetacularmente o seu preâmbulo. Ninguém é mais racista do que quem começa dizendo que não é.
“Eu não sou moralista, mas...” geralmente precede uma posição moralista de embaraçar um Savonarola.
“Eu não tenho nada contra, mas...” Segue um catálogo de coisas contra.
O hábito do preâmbulo imediatamente contrariado tem o seu lado bom. Significa que quem o usar pelo menos reconhece que vai destoar do que seria um pensamento normal, universal, esclarecido e correto. Que precisa se precaver e fornecer uma espécie de salvo conduto para sua opinião externa.
Às vezes o salvo conduto vem no fim, como um adendo.
- Acho que, comunista, tem que matá.
Silêncio. Troca de olhares.
- Não que eu seja um reacionário...
Suspiros de alívio, tudo esclarecido. O cara não é um reacionário. Ainda bem.
A verdade é que devemos ter muito cuidado com os preâmbulos. De preferência, fugir deles. Por exemplo:
- Posso te fazer uma pergunta?
Este é mortal. No meio de uma conversa, no meio de outras perguntas, vem o pedido de permissão para fazer uma pergunta. Que conversa será mais séria, mais difícil e potencialmente mais indiscreta ou agressiva do que as perguntas para as quais nenhuma permissão é necessária.
Evite-a.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Não!
- Mas...
- Não pode!
Mas o pior preâmbulo, o que já deflagrou mais desentendimento e discórdia e acabou com mais amizade, casamentos e carreiras do que qualquer outro, o que deveria ser banido de todos os vocabulários para que a humanidade vivesse em paz, é:
- Posso ser franco?
Não deixe! Exija falsidade, hipocrisia, mentiras ou silêncio.
Tudo menos franqueza.
Melhor ainda: corra.

(VERÍSSIMO, Luiz Fernando, Diário de Pernambuco, 03 de Fevereiro de 2002).




Luis Fernando Verissimo: erudição e vocabulário sofisticado: http://www.ufmg.br/boletim/bol1509/oitava.shtml

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